04 julho 2008

Eu sei que tu e eu amanhã seremos mais
uma pedra viva a terminar a torre
uma flor pulmonar abrindo vales de assombro
um diadema claro sentenciando anjos e acordos ocultos.
Não avistarei incêndios, nem vestígios de maldade
nem as liturgias mudas da voz, cinzas da nossa casa:
quando o coração cantar e o seu arder me cegar
bastar-me-á o vinho das bocas e a inocência do inacabado,
a aparência dos muros altos, o punhal sangrento
que é a solidão do outro em mim mesmo.
O mundo duplicar-se-á electricamente no peito
em peixes sedentos e luminosos
suprimindo distâncias e provas de amor lúcido,
como se os cavalos de faca que violinam cegos pelo sono
me desatassem dos braços e dos órgãos inúteis
trevas iniciais de realidade:
meu amor, meu amor, 
existirei sangrante, insatisfeito de invisível,
abrindo a morte com a língua dos nomes, 
cavando desamparado na escuridão
com a mesma lâmpada negra com que deuses
ergueram pontes aos demónios, às crianças feridas
que habitam inquietas no peito dormente da eternidade:
porque também o mal, também a flor da cinza
precisa de crescer para me salvar.


Nuno Viana

Um pequeno presente para os leitores deste blogue. Obrigado pelos vossos carinhosos comentários e emails.

2 comentários:

Anónimo disse...

Nuno Viana has no photo? C

Anónimo disse...

nope. misterious guy...