Certa voz na noite, ruivamente
Esquivo sortilégio o dessa voz, opiada
Em sons cor de amaranto, às noites de incerteza,
Que eu lembro não sei de onde - a voz de uma Princesa
Bailando meia nua entre clarões de Espada.
Leonina, ela arremessa a carne arroxeada;
E bêbada de Si, arfante de Beleza,
Acera os seios nus, descobre o sexo... Reza
O espasmo que a estrebucha em Alma copulada...
Enquanto nunca a vi mesmo em visão. Somente
A sua voz, a fulcra ao meu lembrar-me. Assim
Não lhe desejo a carne - a carne inexistente...
É só de voz-em-cio a bailarina astral -
E nessa voz-Estátua, ah! nessa voz total,
É que eu sonho esvair-me em vícios de marfim...
Mário de Sá-Carneiro
Lisboa, 31 de Janeiro de 1914
em Poesia Completa
3 comentários:
Na linha do "Salomé". Este Mário era mesmo bom.
muitas vezes tristemente esquecido...
O actor e declamador André Gomes já o evocou váris vezes de forma nagnífica. Tive o privilégio de assistir a uma sessão quase privada na "Eterno Retorno", há uns cinco anos.
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