15 julho 2008

Herberto Helder










Sobre um Poema


Um poema cresce inseguramente

na confusão da carne,

sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,

talvez como sangue

ou sombra de sangue pelos canais do ser.


Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência

ou os bagos de uva de onde nascem

as raízes minúsculas do sol.

Fora, os corpos genuínos e inalteráveis

do nosso amor,

os rios, a grande paz exterior das coisas,

as folhas dormindo o silêncio,

as sementes à beira do vento,

- a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.


E já nenhum poder destrói o poema.

Insustentável, único,

invade as órbitas, a face amorfa das paredes,

a miséria dos minutos,

a força sustida das coisas,

a redonda e livre harmonia do mundo.


- Em baixo o instrumento perplexo ignora

a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


em Ou O Poema Contínuo

7 comentários:

Anónimo disse...

Herberto exige tempo. Pausa. Fôlego. Pelo meio dos signos está toda a filosofia do mundo. Como uma recta à procura do sol.
E também sabia ser irónico, num registo completamente diferente. Como o do poeta a pedalar.

Anónimo disse...

Herberto Helder. Ih valha-me Deus. Cá vim eu beber a minha gota de água (and learn something with Luis Graça) porque, e apesar da complexidade da vida diária com a sua multitude de problemas, "me curvo sempre diante da poesia". C

Anónimo disse...

Desculpem-me a recente lentidão de publicaçºao de poemas. Deve-se ao facto estar a gozar umas merecidas férias, num país bem longínquo...

FNP

Anónimo disse...

Que possa ser descoberta toda a poesia que anda a gaivotear por esses ares distantes...

Anónimo disse...

Também já em férias (e quase de partida), sem internet.Hei-de lê-los depois, aos montes. Boas e merecidas férias, sim , para quem tanto se "esfola" o ano inteiro. C

Helena Figueiredo disse...

Herberto Helder não é uma excepção. Todos os poetas exigem, do leitor, tempo. A poesia, sobretudo a moderna, exige do leitor uma entrega sem condicionalismos, diria de corpo e alma. Quem não for capaz disso, jamais conseguirá atingir o cerne do poema. Diria mesmo: jamais saberá o que é poesia.

L.C.

AugustoMaio disse...

O mundo todo no gomo da palavra. Com o fascínio de sempre.