29 junho 2008













Certa voz na noite, ruivamente

Esquivo sortilégio o dessa voz, opiada
Em sons cor de amaranto, às noites de incerteza,
Que eu lembro não sei de onde - a voz de uma Princesa
Bailando meia nua entre clarões de Espada.

Leonina, ela arremessa a carne arroxeada;
E bêbada de Si, arfante de Beleza, 
Acera os seios nus, descobre o sexo... Reza
O espasmo que a estrebucha em Alma copulada...

Enquanto nunca a vi mesmo em visão. Somente
A sua voz, a fulcra ao meu lembrar-me. Assim 
Não lhe desejo a carne - a carne inexistente...

É só de voz-em-cio a bailarina astral - 
E nessa voz-Estátua, ah! nessa voz total,
É que eu sonho esvair-me em vícios de marfim...


Mário de Sá-Carneiro
Lisboa, 31 de Janeiro de 1914
em Poesia Completa

3 comentários:

Anónimo disse...

Na linha do "Salomé". Este Mário era mesmo bom.

Anónimo disse...

muitas vezes tristemente esquecido...

Anónimo disse...

O actor e declamador André Gomes já o evocou váris vezes de forma nagnífica. Tive o privilégio de assistir a uma sessão quase privada na "Eterno Retorno", há uns cinco anos.